HOMERO1
e-ISSN: 3084-780X Volumen 1 Número 2 Año 2025
Depósito Legal N° 2025-06702 Artículo de revisión
A teoria histórico-cultural e a aprendizagem desenvolvimental como fundamentos da formação docente
The Cultural-Historical Theory and Developmental Learning as Foundations of Teacher Education
La teoría histórico-cultural y el aprendizaje desarrollador como fundamentos de la formación docente
Adenilson Mariotti-Mattos1*, https://orcid.org/0009-0009-8696-1446
Orlando Fernández-Aquino2, https://orcid.org/0000-0002-3784-8908
1Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG), Superintendência Regional de Ensino de Teófilo Otoni (MG), Brasil.
2Universidade de Uberaba (UNIUBE), Brasil.
*Autor para correspondencia. adenilson.mattos@educacao.mg.gov.br
Citación/Citation/Citação: Mariotti-Mattos, A., & Fernández-Aquino, O. (2025). A teoria histórico-cultural e a aprendizagem desenvolvimental como fundamentos da formação docente. HOMERO, 1(2), 111-119. https://doi.org/10.64492/00ghjj15
RESUMO
Introdução: Em um contexto de volatilidade das diretrizes que prescrevem a formação de professores, tomam-se como objeto de estudo os conceitos da Teoria Histórico-Cultural e da Aprendizagem Desenvolvimental. Objetivo: Analisar esses conceitos como fundamentos da formação docente. Metodologia: O estudo fundamenta-se na epistemologia do materialismo dialético, com abordagem qualitativa, orientado pela questão: como fundamentar a formação de professores a partir dos conceitos da Teoria Histórico-Cultural e da Aprendizagem Desenvolvimental? Resultados: Os resultados evidenciam o potencial desses conceitos para o desenvolvimento das capacidades docentes em condições dialéticas e integradoras das unidades ensino–aprendizagem, teoria–prática e abstrato–concreto. Conclusões: A formação de professores baseada nesses pressupostos configura-se como um processo de reelaboração permanente do formador-docente, no qual a aprendizagem antecede o desenvolvimento e fortalece sua condição de sujeito da práxis.
Palavras-chave: Aprendizagem Desenvolvimental, Desenvolvimento Psíquico, Formação de Professores, Formação Docente Crítica, Materialismo Dialético, Práxis Pedagógica, Teoria Histórico-Cultural
ABSTRACT
IIntroduction: In a context of volatility in the guidelines that prescribe teacher education, the concepts of Cultural-Historical Theory and Developmental Learning are taken as the object of study. Objective: To analyze these concepts as foundations of teacher education. Methodology: The study is grounded in the epistemology of dialectical materialism and adopts a qualitative approach, guided by the question: how can teacher education be grounded in the concepts of Cultural-Historical Theory and Developmental Learning? Results: The findings highlight the potential of these concepts to foster the development of teachers’ capacities under dialectical and integrative conditions of the teaching–learning, theory–practice, and abstract–concrete units. Conclusions: Teacher education grounded in these assumptions is configured as a process of permanent re-elaboration by the teacher-educator, in which learning precedes development and strengthens their condition as a subject of praxis.
Keywords: Developmental Learning, Psychological Development, Teacher Education, Critical Teacher Education, Dialectical Materialism, Pedagogical Praxis, Cultural-Historical Theory
RESUMEN
Introducción: En un contexto de volatilidad de las directrices que prescriben la formación del profesorado, se toman como objeto de estudio los conceptos de la Teoría Histórico-Cultural y del Aprendizaje Desarrollador. Objetivo: Analizar dichos conceptos como fundamentos de la formación docente. Metodología: El estudio se sustenta en la epistemología del materialismo dialéctico y adopta un enfoque cualitativo, orientado por la pregunta: ¿cómo fundamentar la formación de profesores a partir de los conceptos de la Teoría Histórico-Cultural y del Aprendizaje Desarrollador? Resultados: Los hallazgos evidencian el potencial de estos conceptos para el desarrollo de las capacidades docentes en condiciones dialécticas e integradoras de las unidades enseñanza–aprendizaje, teoría–práctica y abstracto–concreto. Conclusiones: La formación del profesorado fundamentada en estos supuestos se configura como un proceso de reelaboración permanente del formador-docente, en el que el aprendizaje antecede al desarrollo y fortalece su condición de sujeto de la praxis.
Palabras clave: Aprendizaje Desarrollador, Desarrollo Psíquico, Formación del Profesorado, Formación Docente Crítica, Materialismo Dialéctico, Praxis Pedagógica, Teoría Histórico-Cultural
Fecha de recepción: 21/02/2025 Fecha de aceptación: 28/05/2025 Fecha de publicación: 30/06/2025
Introdução
No decurso histórico brasileiro, a formação de professores tem sido influenciada por diferentes concepções teóricas que coexistem e fundamentam o trabalho docente. A esse respeito, pode-se mencionar: a formação reflexiva (Schön, 2003; Veiga & Silva, 2012); a sociedade do conhecimento, a escola e a formação docente (Marcelo García, 2001); o ensino por competências (Perrenoud, 2002); a Teoria Histórico-Cultural, a atividade de estudo e a formação docente (Libâneo, 2004); a formação histórico-crítica (Saviani, 2009); a relação humanizadora e desenvolvente da teoria histórico-cultural (Mello & Lugle, 2014); o conhecimento do conteúdo e as categorias pedagógicas (Shulman & Shulman, 2016); a formação docente reflexiva e colaborativa (Imbernón, 2022); a epistemologia genética de Jean Piaget (Munari, 2010), dentre outros.
As políticas educacionais brasileiras contemporâneas, por sua vez, no que se refere à formação inicial e continuada de professores, têm sido objeto de constantes reflexões e reformulações. Nesse contexto, destacam-se: a Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019 (Brasil, 2019), que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação); a Resolução CNE/CES nº 1, de 29 de dezembro de 2020 (Brasil, 2020), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada); e, mais recentemente, a Resolução CNE/CP nº 4, de 29 de maio de 2024 (Brasil, 2024), que trata da formação inicial de professores no Brasil.
Em um cenário de sucessivas revisões e mudanças, que expressa, em sua natureza, um certo grau de instabilidade das políticas de formação inicial e continuada, revisitar os fundamentos epistemológicos que subsidiam a formação docente mostra-se pertinente e oportuno. Assim, para além das competências e habilidades do “saber fazer”, instituídas e presentes na BNC-Formação, torna-se relevante refletir sobre outros fundamentos, suas possibilidades e contribuições para a formação do professor.
Optou-se, na presente investigação, por analisar os conceitos que sustentam a Teoria Histórico-Cultural e a Aprendizagem Desenvolvimental como fundamentos para a formação docente. A análise desses fundamentos justifica-se pelo seu potencial de agregar novos conceitos teóricos e, consequentemente, práticos, que possam subsidiar o trabalho do professor. Ao se apoiar no método dialético e na unidade dos processos, tal perspectiva oferece um viés de formação que integra dimensões indissociáveis.
Dessa forma, a proposta desta pesquisa é discutir os conceitos estruturantes da Teoria Histórico-Cultural e da Aprendizagem Desenvolvimental em um movimento de aproximação com a formação de professores. Em sua essência, ambas são orientadas para o desenvolvimento como unidade psíquica, da personalidade, do social e das condições histórico-culturais do aluno e, consequentemente, do próprio professor (Vigotski, 1997a; 1997b; Repkin, 2021a; 2021b).
A questão investigativa que norteou o estudo foi: Que apropriações podem ser feitas dos conceitos da Teoria Histórico-Cultural e da Didática Desenvolvimental para fundamentar a formação de professores? O objetivo principal foi analisar esses conceitos como fundamentos para a formação docente.
Além de contribuir com os conhecimentos já acumulados na área, esta pesquisa justifica-se pela necessidade de evidenciar as possibilidades de apropriação dos fundamentos conceituais da Teoria Histórico-Cultural e da Didática Desenvolvimental, em especial do sistema Elkonin-Davidov-Repkin de Aprendizagem Desenvolvimental, em correlação com a formação de professores.
METODOLOGIA
Conforme mencionado anteriormente, esta pesquisa orienta-se pela seguinte questão: Como os conceitos da Teoria Histórico-Cultural e da Aprendizagem Desenvolvimental fundamentam a formação de professores? Para responder a essa questão, utilizam-se os fundamentos epistemológicos do materialismo dialético (Deroncele Acosta, 2022; Rodríguez Jiménez & Pérez Jacinto, 2017) para a análise contextual das unidades relativas à teoria e sua aplicação ao contexto da formação docente.
A análise qualitativa foi sustentada pelo método de revisão bibliográfica (Lima & Mioto, 2007; Minayo, 2016), com adoção dos seguintes critérios de elegibilidade: a) produções originais das Obras Escogidas de Vigotski para o campo educacional, em traduções para o espanhol;
b) produções pertencentes a um ou mais dos três grandes clássicos da Teoria da Atividade de Estudo: Elkonin (1974; 2021a; 2021b; 2021c), Davidov (2021; 2023a; 2023b) e Repkin (2021a; 2021b); c) artigos científicos, capítulos de livros e/ou livros clássicos traduzidos para português, inglês ou espanhol, de autores vinculados aos grupos de pesquisa da Teoria Histórico-Cultural e da Didática Desenvolvimental.
O processo prévio de leitura permitiu elaborar um sistema de conceitos e categorias, uma espécie de mapa ou rota para o levantamento das informações que deveriam ser extraídas dos textos estudados, sintetizados no Quadro I da presente pesquisa.
Os autores que mais contribuíram para a elaboração dos resultados foram: Vigotski (1997a; 1997b); Davidov & Márkova (1987; 2019); Bozhovich (1976); Domínguez García (2005; 2017); Tunes & Prestes (2009); Aquino (2016); Aquino & Rodrigues (2022); Repkin & Repkina (2019); Longarezi & Puentes (2017); Puentes (2019; 2021). Além do acesso às obras físicas, utilizou-se também do acervo da Scientific Electronic Library Online (SciELO), para aproximação com os estudos mais recentes que abordam a temática.
RESULTADOS
- Síntese prévia das categorias e conceitos estudados
No QUADRO 1 se apresenta o temário principal de reflexão conceitual. A elaboração desta síntese é de grande valor para a inferência dos conceitos e suas possibilidades de contribuição à formação docente.
QUADRO I – Categorias e Unidades de Análise da Teoria Histórico-Cultural e da Didática Desenvolvimental no contexto da pesquisa.
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Categorias |
Unidades de Análise |
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Desenvolvimento humano e Aprendizagem |
- Indissociabilidade ensino-aprendizagem - Zona de Desenvolvimento Próximo – ZPD. - Relação entre instrução e desenvolvimento. - Idades Psicológicas com ênfase na Adolescência. - Conceitos Científicos e cotidianos. |
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Atividade de Estudo: Desenvolvimento e Aprendizagem |
- A atividade de estudo e o desenvolvimento humano. - Os componentes da atividade de estudo. - O sujeito da atividade de estudo. - A atividade de estudo na perspectiva da formação continuada docente. |
Fonte: Elaboração dos autores
Na etapa posterior da pesquisa bibliográfica, esse quadro constituiu a rota principal do levantamento das informações e da estruturação da presente discussão.
- Fundamentos da Teoria Histórico-Cultural na perspectiva de Vigotski.
A Teoria Histórico-Cultural encontra nos estudos experimentais de Lev S. Vigotski (1896-1934) os fundamentos para a compreensão das condições históricas, materiais, culturais e psíquicas da relação entre ensino e aprendizagem. Em um momento de crise e incerteza após a Revolução Russa de 1917, Vigotski, no início da década de 1930, alertava para a necessidade de novos fundamentos para a psicologia e formulava as bases conceituais da Teoria Histórico-Cultural (Tunes & Prestes, 2009).
No âmbito dessa teoria, o desenvolvimento é compreendido como uma unidade dialética entre o material, o psíquico, o social e o pessoal (Vigotski, 1997a). A aprendizagem constitui-se em um processo cíclico de aproximações sucessivas do sujeito ao ambiente cultural, de interiorização intrapsíquica, de representação conceitual em códigos e signos, e de formação da personalidade.
De acordo com Longarezi e Puentes (2017, p. 12), ensino, aprendizagem e desenvolvimento configuram uma unidade que se expressa no conceito de obutchénie:
[...] um tipo especial de atividade docente que contempla, ao mesmo tempo, o trabalho ativo, colaborativo, intencional, comunicativo, motivado e emocional, tanto do professor quanto dos alunos. O objetivo da obutchénie não se esgota nem no ensino nem na aprendizagem separados; nem mesmo no ensino-aprendizagem, como unidade em si. O objetivo está na extremidade do processo, no produto que nasce como fruto dele: o desenvolvimento.
No contexto da formação docente, a obutchénie pode ser interpretada como uma ação concreta que conecta as necessidades e condições de mediação entre formador e professor, a comunicação e a colaboração, em articulação com as experiências histórico-culturais. A interação do formador com as necessidades de desenvolvimento do estudante favorece a construção de unidades integradas entre ensino e aprendizagem.
- Zona de Desenvolvimento Próximo (ZDP).
Se em cada período etário há uma relação única e irrepetível entre a criança e o contexto cultural (Vigotski, 1997a), o diagnóstico dessas condições possibilita compreender a situação social do desenvolvimento e identificar as condições de instrução-aprendizagem que se inserem na zona de desenvolvimento próximo. Para Davidov (2023b, p. 318), a ZDP: "permite prever o que acontecerá no desenvolvimento da criança amanhã; contudo, esse 'amanhã' está internamente conectado com o que está acontecendo com ela hoje, no processo de cooperação educacional (comunicação) com adultos e pares".
Assim, o trabalho docente, quando conduzido de forma adequada, possibilita antecipar o desenvolvimento do aluno. A ZDP representa, portanto, a materialização do desenvolvimento psíquico e da aprendizagem em condições de instrução planejada e adequada.
Em outras palavras: "a instrução só é válida quando precede o desenvolvimento. Ela então desperta e engendra toda uma série de funções que estavam em estado de maturação e permanecem na zona de desenvolvimento proximal". (Vigotski, 1997a, p. 241, tradução nossa).
As condições de mediação em uma ZDP determinam novas formações psíquicas e, consequentemente, o desenvolvimento intelectual. A apropriação dos signos culturais e, sobretudo, as condições intrapsíquicas que corroboram com tais formações, são de caráter voluntário e intencional.
De acordo com Vigotski (1997a, p. 241, tradução nossa): "O aspecto fundamental da instrução é precisamente o que a criança aprende. Portanto, a zona de desenvolvimento proximal, que determina a gama de gradações disponíveis para a criança, acaba sendo o aspecto mais determinante em relação à instrução e ao desenvolvimento."
- Idades Psicológicas
Segundo Vigotski (1997b), em cada idade psicológica emergem novas capacidades que permitem ao sujeito realizar algo novo, com intencionalidade e independência, sem necessidade de mediação direta. As idades psicológicas correspondem a períodos aproximados de três anos, caracterizados por mudanças psíquicas e sociais, especialmente no plano da consciência e na relação com o contexto histórico-cultural.
O autor descreve diferentes fases, incluindo: crise pós-natal; primeiro ano (dois meses – um ano); crise do primeiro ano; primeira infância (um a três anos); crise dos três anos; idade pré-escolar (três a sete anos); crise dos sete anos; idade escolar (oito a doze anos); crise dos treze anos; puberdade (quatorze a dezoito anos); crise dos dezoito anos.
Em cada idade há uma atividade guia central para a organização didática da aprendizagem. Além dela, existem linhas acessórias que se integram ao processo de desenvolvimento. Como destaca Domínguez García (2017, p. 57, tradução nossa): "Os períodos críticos e os períodos estáveis estão integrados no desenvolvimento. O acúmulo de mudanças quantitativas em determinadas etapas dá origem a mudanças qualitativas. Esses momentos de 'virada' indicam que se trata de um processo que ocorre aos trancos e barrancos, de forma revolucionária e não evolutiva, por simples acumulação".
- Conceitos Científicos e Cotidianos.
Na adolescência, a atividade de estudo com foco no aprofundamento dos conceitos científicos torna-se guia do desenvolvimento conceitual. Os conceitos científicos desenvolvem-se "de cima para baixo", de propriedades mais complexas para mais simples, enquanto os conceitos espontâneos ou cotidianos desenvolvem-se "de baixo para cima", a partir das experiências diárias (Vigotski, 1997a, p. 252, tradução nossa). A instrução, nesse contexto, deve privilegiar a formação de novos conceitos científicos e modos generalizados de ação pedagógica.
- O Sistema Elkonin-Davidov-Repkin de Aprendizagem Desenvolvimental
A Aprendizagem Desenvolvimental, inspirada nos estudos de Vigotski, parte da tese de que aprendizagem e desenvolvimento são indissociáveis, em uma relação dialética entre o nível real e o nível potencial do desenvolvimento psíquico.
O conceito de "atividade", introduzido por Vigotski e aprofundado por Leontiev (1983), refere-se ao sistema de relações sociais que integra trabalho, cultura e humanização. Para Repkin (2021a), a atividade de estudo é essencialmente humana, com funções específicas relacionadas à aprendizagem e à formação de novos conhecimentos científicos.
Segundo Elkonin (1974) e Davidov & Márkova (2019), a atividade de estudo é objeto da ciência didática, tendo como conteúdo principal a assimilação de procedimentos gerais de ação no campo dos conceitos científicos. Aquino e Rodrigues (2022) destacam seus componentes estruturais básicos: necessidade, motivo, tarefa, ação e operação, desdobrando-se em motivo e motivação, objetivo e proposta, ações de estudo, ações de controle e ações de avaliação.
A atividade de estudo, conscientemente planejada, possibilita que a aprendizagem antecipe o desenvolvimento (Elkonin, 2021c; Aquino e Rodrigues, 2022). Como unidade constitutiva da docência, inclui a proposta didática, as relações cooperativas no ensino-aprendizagem e o movimento de autotransformação dos alunos (Puentes, 2021). Os componentes centrais são: 1. Tarefa de estudo – modo de ação a ser assimilado; 2. Ações de estudo – execução do modo de ação e formação inicial do modelo didático; 3. Ação de controle – comparação da ação realizada com o modelo; 4. Ação de avaliação – identificação da assimilação alcançada e sua aplicabilidade a outras situações (Elkonin & Davidov, 1962).
A forma como o sujeito chega ao resultado define o grau de desenvolvimento da aprendizagem. Elkonin (2021a; 2021b) propõe três níveis: elevado (autonomia e capacidade de ampliar conhecimentos), intermediário (execução parcial das tarefas) e baixo (incapacidade de realizar de forma autônoma). Por fim, Repkin (2021b) enfatiza que as ações de controle e avaliação qualificam os resultados da atividade de estudo, assegurando a assimilação dos modos de ação e a formação das funções psíquicas superiores.
Em síntese, a atividade de estudo é o contexto em que o sujeito se desenvolve, apropria-se da experiência histórico-cultural e domina modos generalizados de ação cognitiva, determinantes para o desenvolvimento e a formação docente.
DISCUSSÃO
A síntese apresentada permite identificar que, embora os autores da tradição histórico-cultural e da didática desenvolvimental partam de constructos distintos, todos convergem na defesa de uma formação docente centrada na atividade consciente, reflexiva e intencional do professor. A noção de obutchénie, por exemplo, oferece não apenas um modo de compreender a unidade ensino–aprendizagem, mas uma chave interpretativa para repensar práticas formativas que ainda permanecem centradas na transmissão (Longarezi & Puentes, 2017). Nesse sentido, a formação docente exige reconsiderar o papel do formador como mediador capaz de diagnosticar necessidades reais de desenvolvimento, tal como Vigotski (1997a) sugere ao discutir a ZDP.
Ao integrar Vigotski, Leontiev e Repkin, observa-se que a docência não pode ser reduzida à execução de técnicas instrucionais: ela depende da constituição de motivos profissionais e modos generalizados de ação, condição necessária para que o professor desenvolva autonomia pedagógica. A literatura analisada evidencia que a qualidade da ação docente está diretamente vinculada à capacidade de transformar tarefas de ensino em tarefas de estudo para si próprio, deslocando o foco da reprodução para a elaboração conceitual e o controle consciente das próprias ações (Elkonin, 2021a; Repkin, 2021b). Isso implica compreender a formação continuada como atividade de estudo do professor, e não apenas como participação em cursos.
Além disso, as contribuições de Davidov e Márkova (2019) ampliam a compreensão sobre a necessidade de que o professor domine procedimentos gerais de ação intelectual, capazes de orientar sua intervenção em diferentes etapas do desenvolvimento dos alunos. A articulação entre idades psicológicas e atividade guia (Vigotski, 1997b) revela que muitas fragilidades formativas decorrem da ausência de compreensão sobre como se organizam os processos didáticos em cada período etário, especialmente na adolescência, momento em que os conceitos científicos se tornam motores do desenvolvimento.
Assim, a literatura revisada sugere que a formação docente, quando alinhada à perspectiva desenvolvimental, não deve focalizar apenas competências instrumentais, mas promover a capacidade de elaborar conceitos, analisar situações de ensino, avaliar modos de ação e reorganizar a própria atividade profissional. Esse movimento formativo, sustentado pela teoria histórico-cultural, destaca a docência como atividade criadora e não meramente reprodutiva, apontando caminhos para reconceituar políticas e práticas de formação continuada no Brasil.
Conclusões
Cabe, inicialmente, retomar a questão que orientou esta pesquisa: Como os conceitos da Teoria Histórico-Cultural e da Aprendizagem Desenvolvimental fundamentam a formação de professores? Em resposta, constata-se que a formação docente ancorada nessas perspectivas se fundamenta em conceitos dialéticos e em unidades voltadas ao desenvolvimento do professor. A realidade concreta, o diagnóstico e o sistema de mediação formador–professor constituem condições essenciais para a formação e para a construção de novos conceitos.
A constituição de uma proposta de formação baseada no sistema Elkonin-Davidov-Repkin pressupõe o distanciamento de modelos de cursos pré-definidos e padronizados, em favor de um contexto flexível, no qual o professor participe ativamente das etapas de planejamento, execução, avaliação, vivência e proposição de suas próprias tarefas de estudo, orientadas ao desenvolvimento de suas capacidades. O diagnóstico das reais necessidades docentes possibilita identificar o nível de desenvolvimento dos professores e alinhar os objetivos da formação às suas demandas concretas. Nessa perspectiva, própria da Teoria da Atividade de Estudo, o professor é sujeito implicado em seu próprio processo formativo.
Em suma, a aplicação dos pressupostos teóricos da Teoria Histórico-Cultural e da Teoria da Atividade de Estudo é crucial para superar fragilidades históricas da formação docente, especialmente a segmentação das etapas. Ao tratar a formação como atividade de estudo sistemática, na qual a aprendizagem antecipa o desenvolvimento, torna-se possível enfrentar problemas recorrentes, como a fragmentação entre teoria e prática, a ausência de identidade docente com a proposta e a falta de base científica nas iniciativas de formação.
Apesar de oferecer uma síntese conceitual consistente, esta pesquisa apresenta limitações inerentes ao seu desenho teórico-bibliográfico. Primeiramente, o estudo se apoia exclusivamente em fontes documentais, o que impede observar empiricamente como os conceitos histórico-culturais se materializam em contextos reais de formação docente. Além disso, a análise não contemplou comparações sistemáticas entre distintos modelos nacionais de formação, o que poderia ampliar a compreensão sobre a aplicabilidade dos conceitos analisados. Por fim, embora o estudo apresente seis eixos conceituais fundamentais — desenvolvimento humano, ZDP, idades psicológicas, conceitos científicos, atividade de estudo e sistema Elkonin-Davidov-Repkin —, não foi possível examinar suas tensões internas ou contradições na prática formativa, devido à ausência de dados de campo.
A partir dessas limitações, abrem-se importantes caminhos para pesquisas futuras. Estudos empíricos poderão investigar como formadores e professores se apropriam dos conceitos de Vigotski, Leontiev, Elkonin, Davidov e Repkin em situações reais de formação continuada, identificando desafios, adequações e contradições. Investigações comparativas entre instituições formadoras também podem contribuir para avaliar em que medida os pressupostos desenvolvimentais modificam práticas pedagógicas e produzem mudanças qualitativas na atividade docente. Por fim, pesquisas longitudinais sobre processos formativos pautados na atividade de estudo — especialmente em etapas de diagnóstico, elaboração de tarefas e controle–avaliação — permitirão avaliar o impacto desses pressupostos no desenvolvimento profissional e na consolidação de identidades docentes críticas e criadoras.
Declaração de transparência, ética e responsabilidade
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Aprovação ética: Os autores declaram que o estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (Research Ethics Committee, REC) ou por um Comitê de Revisão Institucional (Institutional Review Board, IRB), ou que contou com as autorizações institucionais correspondentes.
Financiamento: Pesquisa financiada pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de Minas Gerais e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologico (CNPq). Brasil.
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1Homero, 1(2), 111-119
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